Eu vejo muito filme ruim
Ou: “Por que eu enrolo pra fazer aquilo que eu realmente quero, enquanto me ocupo com coisas menos interessantes”
Dia desses saiu a lista da Variety dos 100 melhores filmes de terror já lançados. Eu, que sou muito fã do gênero, fui correndo checar quantos daqueles filmes eu já tinha visto e tive uma surpresa negativa: apenas 35. Isso mesmo, eu assisti menos da metade dos melhores filmes do meu gênero favorito.
Comentei isso com meu pai e com minha madrasta, que também ficaram surpresos visto que é o tipo de filme que eu mais assisto. Até que minha madrasta soltou: “Acho que você tá assistindo muito filme ruim”. Ela falou em tom de brincadeira, mas eu fiquei com isso na cabeça.

Na mesma semana, meu pai descobriu que eu nunca assisti O Poderoso Chefão. “Como você nunca viu um dos melhores filmes já feitos????” Ele sugeriu que eu assistisse naquela noite mesmo, mas eu recusei. Falei que era muito longo pra assistir antes de dormir - o filme tem 2h55 de duração - e que era melhor deixar pra outro dia. Então, o que eu fiz? Assisti 4 episódios de 45 minutos cada de um dos piores documentários que já vi na vida (Lularich, na Prime Video). Ou seja, em vez de dedicar três horas a um dos melhores filmes da história do cinema, eu dediquei três horas a um documentário extremamente enrolado e arrastado que poderia ter contado a história em apenas 1 hora e cujo tema nem era tão interessante assim.
Essas duas situações ficaram povoando meus pensamentos nos últimos dias e me fizeram refletir sobre o que ando fazendo com meu tempo livre. Eu tenho uma pilha de livros que ainda quero ler na minha estante, mas em vez disso eu passo o dia lendo tweets e postagens na internet. Tenho uma lista enorme de bons filmes que quero assistir, mas em vez disso fico assistindo reality shows bobos na Netflix. Tenho várias séries que me recomendaram começar a ver, mas em vez disso passo o mesmo tempo de um episódio assistindo TikToks que pouco me interessam. O tempo que eu passo fazendo essas atividades de “menor valor” é o mesmo ou até maior do que o tempo que eu passaria assistindo ou lendo algo que marcaria minha vida mas, ainda assim, eu dou preferência pro menos interessante. E por que?
Bom, pra começo de conversa, existe toda a questão de estarmos viciados em gratificação instantânea. As redes sociais e os smartphones nos colocaram num loop eterno de pequenas doses de dopamina e é muito difícil quebrar esse ciclo. Nossos smartphones estão sempre conosco, nos chamando como o canto de uma sereia, e isso dificulta nossa concentração em outras atividades. É muito mais fácil passar o dia rolando a tela numa rede social do que largar o celular de lado e ir ler um livro. Mas este é um assunto muito mais complexo, e não é o foco do meu texto hoje (mas se você quiser ler mais sobre isso, te recomendo esta entrevista e este artigo que resumem as principais ideias do livro “Nação Dopamina”, de Anna Lembke - ou você pode ler o livro, coisa que eu não fiz ainda).
Além do loop de dopamina, que afeta a todos nós, há outras questões que me fazem procrastinar atividades que eu realmente quero fazer. Acontece que eu tenho a terrível mania de achar que eu preciso estar “na vibe certa” pra consumir determinadas obras. Preciso estar 100% focada naquilo, não posso estar com sono, não posso estar distraída, não posso estar com a cabeça cheia, não posso estar de mal humor, tenho que ter a comida certa pra acompanhar, ou a posição certa na cama, enfim, eu invento todo tipo de circunstância necessária para ter “a experiência perfeita”. Mas será que existe a experiência perfeita? E, principalmente: será que é mais importante ter uma experiência perfeita ou simplesmente ter uma experiência?
É como se cada uma dessas obras fosse aquela roupa nova que você deixa guardada no armário esperando “uma ocasião especial” para estreá-la, mas toda vez que você tem a oportunidade de usar a roupa você sente que não é uma ocasião especial o suficiente. E assim o tempo vai passando, e a roupa nova continua lá, intocada.
Em compensação, pra ver um filme bobo ou um reality show qualquer, toda hora é hora. Não preciso de nenhum tipo de preparação mental, não preciso da “vibe perfeita”, não preciso nem ao menos dedicar totalmente minha atenção. É só dar play e acabou. E assim meu Letterboxd foi se enchendo de filmes que eu nem ao menos me lembro de ter assistido, muito menos lembro se gostei, enquanto que aquilo que eu realmente queria assistir continua eternamente na minha watchlist.
Não estou dizendo que filmes bobos e reality shows não tenham seu valor. Tem dias que a gente precisa mesmo de um entretenimento leve pra relaxar e eles servem muito bem a esse propósito. Mas é tipo miojo. É muito mais rápido e prático do que cozinhar uma refeição completa, e te dá aquele prazer instantâneo ao comer, mas não dá pra viver só disso. Uma hora você vai ter que fritar um bife e preparar uma salada.
E acho que pra mim chegou a hora de fritar o bife, de usar a roupa nova, de assistir O Poderoso Chefão. Preciso dedicar meu tempo livre às coisas que realmente me interessam e que me tragam algum tipo de satisfação pessoal em vez de viver de migalhas de entretenimento em troca de uma pequena dose de dopamina. Afinal, o tempo vai passar de qualquer forma. O que a gente faz com esse tempo é o que importa.
Mas e aí, que filme você acha que eu deveria assistir?
Fiz a conta aqui só pra conseguir comentar. :)
Eu me sinto da mesma forma. Acho que no meu caso é ainda pior, pois não vejo filme nem ruim, aí gasto todo o tempo que assistiria algo scrollando feed ou vendo vídeos curtos. E foi por isso que desinstalei o tiktok e parei de usar instagram.